Rio passado presente futuro

Frederico Coelho

no blog objeto sim objeto não

O Rio de Janeiro começou na Baia da Guanabara. Esta óbvia informação nem sempre é levada em conta quando, em um momento como o atual, os cariocas repensam a sua cidade e a sua história. 516 anos após os portugueses aportarem na boca banguela e construírem sua casa nas margens do rio Carioca, o Rio de Janeiro sediará os jogos olímpicos. Vale a pena pensarmos como será a cidade quando novos estrangeiros – dessa vez não conquistadores, mas consumidores – aportarem novamente nas águas da Guanabara.

Não, não se trata aqui de futurologia, mas de levantar alguns pontos que devemos ter em vista quando lemos nos jornais que o poder público carioca pretende injetar dezenas de bilhões de reais em prol de uma nova estrutura para a cidade visando a tão propalada e bem vinda Olimpíada. Há dias atrás, o urbanista Sérgio Magalhães fez um alerta que todos devemos levar em consideração: por que a cidade, historicamente fundada a partir de sua parte central, ocupada a partir de suas praias e de seu subúrbio, precisa necessária e inexoravelmente caminhar em direção à Barra da Tijuca? Aviso logo que a Barra e toda a Zona Oeste merece – e precisa – de todo o nosso apreço e interesse. O Rio de Janeiro, porém, tem dívidas seculares com regiões que, assim como a Zona Oeste, são sistematicamente abandonadas pelo poder público.

Moradores da região central e Zona Norte da cidade vivem há tempos uma indigência urbanística e cultural, devido o pleno aporte financeiro e institucional que, governo após governo, situa a Zona Sul e a Barra como espaços privilegiados. Desde as reformas de Pereira Passos e Carlos Sampaio no início do século XX, o ímpeto de uma modernização da cidade feita “de cima para baixo” fez com que populações pobres perdessem espaço e voz na construção e uma identidade carioca. Apesar do samba e do carnaval permanecerem como bens maiores da cultura carioca, há tempos que poucos vão além da Lapa ou do sambódromo para freqüentarem os espaços originais de criação destas manifestações. E não me refiro ao programa turístico de ensaios em quadras das escolas ou visitas esporádicas para feijoadas com samba. Me refiro a uma relaçao orgânica entre as partes da cidade e sua população.

O carioca, em 2009, se mora na Zona Sul não enxerga o subúrbio muito além das manifestações de violência ou depredação contínua que os meios de comunicação propagam diariamente pelos jornais. Se ele mora na Zona Norte, enxerga a Zona Sul como espaço privilegiado e inacessível do ponto de vista do lazer, do consumo e da presença. A cidade partida de Zuenir Ventura ainda impera, em maior ou menor grau dependendo do tema em questão. Mas o governo atual, por motivo das olimpíadas, e governos anteriores, por motivos pouco claros, permanecem afirmando que a cidade deve caminhar sem volta para a Barra da Tijuca. O eixo histórico do Rio – Baia da Guanabara, Zona Portuária, Rio Carioca, Leopoldina, Centro da Cidade – fica minorizado em prol de novos e mega empreendimentos imobiliários que interessam ao mercado mas interessam muito pouco aos cariocas. Creio que até mesmo os moradores da Barra já achem que o bairro está estrangulado com o boom de prédios, instalações, megaeventos, shoppings, hipermercados, prédios comerciais etc. Um bairro que nasce com a vocação de bucolismo e vida alternativa frente ao emaranhado de prédios da Zona Sul, torna-se paulatinamente um nó de avenidas engarrafadas, excesso de carros, mendicância etc. Talvez, antes do governo e da prefeitura terem certeza de que todo o carioca deve rumar para a Barra, seja mais prudente pensarmos que um legado histórico como esse não pode servir apenas para investir em uma modernidade arquitetônica de vastos espaços e metrôs milionários.

Da janela do MAM, vejo a Baia da Guanabara. Hoje, chove. Os mendigos se escondem sob as marquises de Reidy. O vento forte castiga as palmeiras dos jardins. Se depender do governo, tudo isso permanecerá para trás. A Barra brilhará com suas obras faraônicas e suas longas avenidas buzinadas. Eles querem investir na Zona Portuária, porém não querem que a Olimpíada caminhe para lá. Milhares de turistas adentrarão a cidade pela Guanabara. Que permanecerá, cada vez mais, como uma boca banguela.

Cabe a nós, cariocas, não permitir que isso aconteça. Novamente, este texto não é contra a Barra e a Zona Oeste (onde eu passei toda minha juventude, de forma sensacional). Este texto é contra a histeria gastadora sem critério que o planejamento urbano carioca pode ser refém. Não querem repensar a cidade. Querem construir, ocupar, gastar. O MAM, a Glória, o centro, a Leopoldina, só servem como molduras de idéias que nunca acontecem por parte do poder público.

As olimpíadas do Rio precisam começar pela Baía da Guanabara. O resto é presepada boquirrota de prefeito e gogó empapado de governador.

Um comentário:

  1. Vitor, leio seu blog h'a algum tempo, mas nao comento muito. Acho seu trabalho bem legal, e fico feliz em ver arquitetos bem informados preocupados com os rumos da cidade.
    Excelente texto! Parabens!

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