Um ícone para Copacabana (3)

2.

Isay Weinfeld

Pouco depois das 10h da manhã do dia 6 de agosto, com o auditório já cheio, Isay Weinfeld chega sozinho para começar a sua apresentação. Começa agradecendo muito pelo convite e dizendo que, em muito tempo de carreira, jamais havia recebido um convite de participar de um concurso como esse e por isso teria feito o projeto “com muito carinho”. Diz ainda de antemão que odeia a palavra conceito e que seus projetos são feitos muito intuitivamente, a partir da experiência que acumulou ao longo da sua vida profissional mas que, ao fazer um projeto para um concurso de ideias, se preocuparia com detalhes somente caso fosse selecionado —afirmando que, no entanto, o detalhe é uma grande preocupação sua.

Conquistando o público com as primeiras palavras, dá um susto na etapa seguinte, ao começar sua apresentação para um concurso de ideias a partir das plantas e com a maquete guardada. Tivemos, portanto que tentar entender antes as plantas e tentar imaginar a cara do edifício, o que era complicado com a velocidade da apresentação. Weinfeld explica minuciosamente os espaços e a organização do projeto —e nós, tentando entender, achávamos que ele não teria outras imagens além daquelas técnicas—, mostra que a circulação para o público do museu aconteceria sempre por fora: primeiro em uma escada externa na lateral esquerda e depois do meio do edifício— onde há um grande espaço livre em que se situa a sala de projeção multidirecional—do lado direito, em outras escadas externas. A escada externa dos primeiros níveis me lembraram —ao ver as plantas e antes de ver as imagens— as rampas da Fundação Iberê Camargo fora de proporção.

Enquanto via as plantas tive a impressão de que ele as fazia com muito rigor —principalmente formal, já que ele mesmo explicou que poderiam haver desvios inclusive nas metragens colocadas no programa, que poderiam ser adequadas depois— mas, de alguma forma, vi uma ideia um tanto simplista na proposta: plantas resolvidas e pensadas bidimensionalmente são colocadas umas sobre as outras e deslocadas, para dar ao edifício a “identidade” que havia sido pedida pelo programa, mas que não interfere na espacialidade dele; as circulações são posicionadas externamente fazendo um percurso por um lado, passando pelo meio —onde há o terraço coberto— e subindo pelo outro —o que passa a ser o ponto mais interessante do projeto. A materialidade é algo à parte: o arquiteto diz que o projeto tem muitos pontos que podem ser modificados e que algumas questões são, para ele, “menores”. A materialidade é uma delas. Por exemplo, apesar da sugestão dele de que o edifício poderia ser branco, ele diz que poderia ser de alguma outra cor clara. Ele sugere ainda que os blocos fossem tratados com materiais diferentes, ainda não rigorosamente definidos e que portanto também poderiam ser modificados —como os dois tipos de elementos vazados que ele propõe nos diferentes blocos que compõem o projeto. Os materias são usados, portanto, para dar a “cara” do edifício, nada mais.

A banca levanta algumas questões —já prometendo que não vai obrigá-lo a falar do “conceito” do projeto, gerando risos. Isay Weinfeld é de fato, muito sicero e humilde na sua fala, para não dizer sedutor. Diz, no meio da sua explanação, que só faz trabalhos que o interessam e sempre foi assim; que cada casa, loja ou edifício que projeta é desenhado nos mínimos detalhes e esse é um dos motivos dele não trabalhar, por exemplo, para o mercado imobiliário (“eles vêm pedir um projeto, explico como eu trabalho e depois eles não voltam mais”) e fala de outra características do seu modo de trabalhar ao longo da apresentação (“também não faço nada em série. Não faço dezenas de lojas de uma rede, por exemplo, faço uma, porque faço cada projeto muito especificamente pro cliente, pro espaço e não teria paciência para fazer muitas lojas iguais, por exemplo, porque acompanho de perto todos os projetos. […] Pra mim não importa se o piso custa 10 reais ou 10 mil reais o metro quadrado, o que importa é o espaço que eu vou criar, não os materiais, que podem ser caros ou baratos, isso depende do cliente”). Ao final, Paulo Herkenhoff fala também da inauguração, alguns dias antes, do Centro Cultural Midrash, que foi projetado por Isay no Leblon; da sua importância e da beleza do painel que cobre a fachada —segundo a opinião de Herkenhoff—, com inscrições em hebraico.

Isay termina sua apresentação e lembra que tinha uma maquete, mas que estava ainda dentro da caixa. Pega a maquete e começa a mostrá-la a cada um dos membros do júri, como se estivesse segurando uma bandeja e termina dizendo: “Estou me sentido um garçom”.

Brasil Arquitetura

Marcelo Ferraz começou sua apresentação dizendo que nada do que proporia para o edifício seria gratuito, mas teria uma base principalmente funcional; e identificaram que o edifício deveria seguir alguns parâmetros: ser um marco na paisagem, ser sustentável, ter simplicidade formal, ter flexibilidade e mobilidade nos espaços internos; que o edifício deveria ser, acima de tudo, uma “celebração da paisagem” —do mar, da montanha e da cidade. No entanto, não foi exatamente isso o que o projeto mostrou.

Alguns projetos recentes tornaram o escritório mais conhecido —como o Museu Rodin e o Museu do Pão— mas esse projeto mostrou principalmente uma influência de sua mestre Lina Bo Bardi, com quem Marcelo começou a trabalhar em 1977, como estagiário nas obras do SESC Fábrica da Pompéia, e seguiu como colaborador até 1996, ano da morte da arquiteta.

O edifício proposto tem uma estrutura convencional, com três grandes planos longitudinais de concreto —o da fachada frontal e outros dois em cada um dos lados da circulação vertical do edifício, localizado nos fundos, como na maioria das outras propostas. Para além desse elemento estruturador —uma caixa em concreto bem convencional—, o projeto é marcado por alguns outros pontos: uma enorme esfera em aço inox, que abriga a sala de projeção multidirecional, é elevada entre o edifício proposto e a empena do prédio residencial vizinho; um recorte orgânico na fachada onde ficam localizadas as escadas para uso do público, também com desenhos muito livres; e uma cobertura em balanço no último nível, “como um boné”, que permitiria uma visão panorâmica da praia a partir do restaurante instalado ali; e pequenas aberturas quadrangulares seriam feitas nas fachadas laterais e de fundos, de acordo com a necessidade dos espaços internos, que seriam definidas em uma fase posterior de projeto. Além disso, sob a esfera de aço seria possível circular para a rua paralela à Av. Atlântica, sobre um piso de vidro colocado para possibilitar a iluminação natural do palco do auditório no subsolo.

A proposta se implanta sobre o terreno como quase toda a parede de edifícios da orla de Copacabana, se afastando de uma das divisas deles através da esfera. O recorte na fachada que permite a vista da praia e a circulação vertical através das escadas ali colocadas não pode, de maneria alguma, ser justificado como um desenho baseado na funcionalidade, senão na forma —pois, para não julgar a forma, no mínimo dificultaria a execução do edifício, com o livre desenho de escadas e guarda-corpos em concreto. Marcelo justificou esse grande vazio vertical seria um contraponto à “horizontalidade presente nos edifícios da Av. Atlântica”.

A parte expositiva não poderia ser mais convencional e a flexibilidade proposta acaba sendo questionada pelo próprio júri. Esses espaços expositivos ficariam nas extremidades do edifício, em cada um dos lados da escada central, e seriam fechados por “painéis móveis” dependendo das necessidades de cada uma das exposições. Caso as exposições precisassem ser todas fechadas, o espaço do meio ficaria, talvez, apertado na parte central. O júri ainda levantou que o vazio das escadas poderia resultar em problemas técnicos, por exemplo: como seria feita a proteção contra incêndios em um espaço vertical que corta todo o edifício? Ao que o arquiteto respondeu dizendo que existe tecnologia para proteger esse tipo de espaço contra incêndios.

Ao fim da apresentação, um dos membros do júri lembra que o projeto ultrapassaria a área permitida para construção pela legislação pois, por não se afastar das divisas, não poderia ter a altura de um edifício afastado das divisas —o fato de não afastar é devido à esfera, que ocupa o espaço aéreo. Eles então justificam dizendo que apesar de não afastar, não deixam de permitir a circulação por baixo da esfera e que, portanto, poderia haver uma negociação para que isso se viabilizasse, por não se tratar de uma edificação comum e ser de uso público. Eis que Jaime Lerner, ao concordar, arremata, citando um jogador de futebol: “bola que está no alto, não está no gol”.

Shigeru Ban

Shigeru Ban era esperado ansiosamente, principalmente pelos alunos de arquitetura que ali estavam, mas assim que alguém de seu escritório entrou na sala com a maquete de seu edifício nas mãos, percebeu-se que ele não tinha entendido nada. O arquiteto veio acompanhado por algumas pessoas da sua equipe e pelo arquiteto Marc Rubin, sócio do escritório paulista Botti Rubin Arquitetos, que seria seu colaborador no Brasil —pelo menos nesse projeto.

A preparação para a apresentação demora algum tempo, pois sua grande maquete, que veio junto com a equipe no avião, precisa ser montada para ser apresentada. O que chamava a atenção na maquete era a grande abóbada que cobria o edifício e, na maquete, era representada por uma trama dourada, mas que na realidade era de madeira; além de um embasamento com pilares em forma de estalactites.

Mais alguns minutos para a apresentação começar e Mr. Ban começa mostrando também um projeto recente seu —o novo Centre Pompidou em Metz—, que havia servido de autorreferência para sua proposta. Na verdade, sua referência a esse projeto vinha da pesquisa de materiais que ele estava fazendo no momento, mais especificamente com a trama de madeira que estruturava o novo Pompidou e cobriria seu MIS.

De fato a sua pesquisa com a madeira nesses projetos é bastante interessante mas, suponho, ela acabou afastando o arquiteto completamente do lugar de inserção do edifício. Um lugar como a frente da praia de Copacabana não poderia ser tratado como qualquer outro. Ele até tenta ao mostrar uma imagem com alguns croquis seus que justificariam as formas arqueadas do embasamento do edifício: uma infeliz referência aos biquinis das cariocas.

O edifício proposto teria uma estrutura convencional em pilares, vigas e lajes de concreto e sobre essa estrutura se apoiaria a estrutura de fechamento e cobertura feita com a trama de madeira. Sob essa trama, um fechamento em um tipo de vidro especial importado e translúcido, que filtra a luz do sol e produz energia —que deve ser um material caro, se formos pensar no preço que ainda custa hoje uma placa fotovoltaica.

Só me resta tentar adivinhar o porquê de um arquiteto que tem projetos tão diversos e uma pesquisa tão interessante tenha proposto um edifício como esse para o Rio. Pois, para além da sua desadequação ao entorno, nem mesmo isolado desse contexto seria interessante, nem mesmo se relevarmos sua visão caricata da nossa cidade.

O segundo dia termina e ficamos com a certeza de que o vencedor estaria mesmo no primeiro dia. Para a maioria das pessoas com quem falei, o vencedor seria mesmo Diller Scofidio + Renfro, mas alguns de nós achávamos que o projeto do Bernardes+Jacobsen deveria ganhar. Quanto aos outros, brasileiros ou estrangeiros, nenhum chegou a emocionar. Em algumas das apresentações ficou a sensação de que não poderiam se tratar de propostas sérias se pensássemos nos currículos de cada um e que alguns nem deveriam estar ali. Muitos outros poderiam ter sido convidados.

Agora resta esperar pela construção do “novo ícone” da praia de Copacabana, como se ela precisasse de um.

2 comentários:

  1. fantásticos teus relatos! parabéns! vida longa ao blog!

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  2. Vitor, parabéns pelo relato e pelo blog! Cheguei aqui pelo site concursos de projetos. Muito bom saber dos bastidores que levaram à escolha do projeto do MIS depois da decepção, principalmente com a proposta o Shigeru Ban e do Marcelo Ferraz.
    abraço!

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