E mesmo assim somos a cidade mais linda. Morrendo um pouco todo dia, cada vez mais vista em seu passado de glórias.
Sempre lembrar que na curva da lagoa as famílias compram pipoca para ver uma árvore de natal. Nunca perder de vista que atrás da central do Brasil, nos pés do morro da providência, estão as biroscas lotadas de amor carnal de amizade sincera de furadas sinistras. Cachaça, varejo derby filtro amarelo, mocotós e traçados, vestidos dourados, short de nylon, playboy tecador, aperto nas bundas, arrêgo nos guardas, papos retos com sotaques atravessados, tecnobregas pagodes forrós envenenados porque hoje NÃO TEM PATRÃO!
Não deixar de reparar que as putas se enchem de esperança pois quando chega o verão quem sabe um casamento com um gringo e a vida na Europa surge no horizonte. Lembrar que a molecada e as menininhas vivem esperando as praias cheias e os fins de tarde sem fazer nada.
E que todos esses não se esqueçam que dentro desse cartão postal existem os que estão abandonados, tramando a morte, planejando o golpe, afiando a faca, odiando as pessoas que olham a lagoa e podem ficar de bobeira no fim da tarde. Como um manual de sobrevivência, um mantra dizendo pra si mesmo que o Rio é de pedra, de mata, de água e de sangue. Que é aqui que resolveram botar em prática, sem limites, a justiça dos homens, a ira dos deuses, a dádiva da terra, a dor de mães, o perfume dos corpos, o brilho do fuzil, a bola que não cai na beira da praia, o calor no mercadão de Madureira, o barulho no saara, a merenda minguada na creche municipal, o leito de hospital fedorento, a dança das gostosas na quadra, o beijo da morte no moleque cheira-cola, a hora do almoço no centro, o mijo no meio da rua, o cheiro de chuva dos matos, o gosto de alho no cabrito, o bote do pivete, a caminhada na urca, o céu de santa, o escritório do malandro, o apontador de bicho, o esgoto fedendo nosso de cada dia, o furor da bicha, o dia seguinte da chacina: em uma loja perto de você.
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